Origem do modernismo
Vincent van Gogh é um dos principais
representantes da renovação estética nas artes do fim do século XIX.
A primeira metade do século XIX na
Europa foi marcada por uma série de guerras e revoluções turbulentas, as quais
gradualmente traduziram-se em um conjunto de doutrinas actualmente
identificadas com o movimento romântico, focado na experiência individual
subjetiva, na supremacia da Natureza como
um tema padrão na arte, meios de expressão revolucionários ou radicais e na
liberdade do indivíduo. Em meados da metade do século, entretanto, uma síntese
destas ideias e formas de governo estáveis surgiram. Chamada de vários nomes,
esta síntese baseava-se na ideia de que o que era "real" dominou o
que era subjetivo. Exemplificada pela realpolitik de Otto von
Bismarck, ideias filosóficas como o positivismo e
normas culturais agora descritas pela palavra vitoriano.
Fundamental para esta síntese, no
entanto, foi a importância de instituições, noções comuns e quadros de
referência. Estes inspiraram-se em normas religiosas encontradas no cristianismo,
normas científicas da física clássica e doutrinas que pregavam a
percepção da realidade básica externa através de um ponto de vista objetivo.
Críticos e historiadores rotulam este conjunto de doutrinas como realismo,
apesar deste termo não ser universal. Na filosofia,
os movimentos positivista e racionalista estabeleceram
uma valorização da razão e do sistema.
Contra estas correntes estavam uma série
de ideias. Algumas delas eram continuações diretas das escolas de pensamento
românticas. Notáveis eram os movimentos bucólicos e revivalistas nas artes plásticas e na poesia (por
exemplo, a Irmandade pré-rafaelita e a filosofia
de John Ruskin).
O racionalismo também manifestou respostas do antirracionalismo na filosofia.
Em particular, a visão dialética de Hegel da civilização
e da história gerou respostas de Friedrich Nietzsche e Søren Kierkegaard, principal precursor do existencialismo.
Adicionalmente, Sigmund Freud ofereceu uma visão dos
estados subjetivos que envolviam uma mente subconsciente repleta de impulsos
primários e restrições contrabalançantes, e Carl Jung combinaria
a doutrina de Freud com uma crença na essência natural para estipular um inconsciente coletivo que era repleto de
tipologias básicas que a mente consciente enfrentou ou assumiu. Todas estas
reações individuais juntas, porém, ofereceram um desafio a quaisquer ideias
confortáveis de certeza derivada da civilização, da história ou da razão pura.
Duas escolas originadas na França gerariam
um impacto particular. A primeira seria o impressionismo,
a partir de 1872, uma escola de pintura que
inicialmente preocupou-se com o trabalho feito ao ar livre, ao invés dos
estúdios. Argumentava-se que o ser humano não via objetos, mas a própria luz
refletida pelos objetos. O movimento reuniu simpatizantes e, apesar de divisões
internas entre seus principais membros, tornou-se cada vez mais influente. Foi
originalmente rejeitado pelas mais importantes exposições comerciais do período
- o governo patrocinava o Salon de Paris (Napoleão III viria
a criar o Salon des Refusés, que expôs todas as
pinturas rejeitadas pelo Salon de Paris).
Enquanto muitas obras seguiam estilos padrão, mas por artistas inferiores, o
trabalho de Manet atraiu
tremenda atenção e abriu as portas do mercado da arte para o movimento.
A segunda escola seria o simbolismo,
marcado pela crença de que a linguagem é um meio de expressão simbólico em sua
natureza, e que a poesia e a prosa deveriam seguir conexões que as curvas
sonoras e a textura das palavras pudessem criar. Tendo suas raízes em As Flores do Mal,
de Baudelaire,
publicado em 1857, poetas Rimbaud, Lautréamont e Stéphane Mallarmé seriam de particular
importância para o que aconteceria dali a frente.
Ao mesmo tempo, forças sociais,
políticas e econômicas estavam trabalhando de forma a eventualmente serem
usadas como base para uma forma radicalmente diferente de arte e pensamento.
Encabeçando este processo estava a industrialização, que produziu obras como a Torre Eiffel,
que superou todas as limitações anteriores que determinavam o quão alto um
edifício poderia ser e ao mesmo tempo possibilitava um ambiente para a vida
urbana notadamente diferente dos anteriores. As misérias da urbanização
industrial e as possibilidades criadas pelo exame científico das disciplinas
seriam cruciais na série de mudanças que abalariam a civilização europeia, que,
naquele momento, considerava-se tendo uma linha de desenvolvimento contínua e
evolutiva desde a Renascença.
A marca das mudanças que ocorriam pode
ser encontrada na forma como tantas ciências e artes são descritas em suas
formas anteriores ao século XX pelo rótulo "clássico", incluindo a física clássica, a economia clássica e o ballet clássico.
Em princípio, o movimento pode ser
descrito genericamente como uma rejeição da tradição e
uma tendência a encarar problemas sob uma nova perspectiva baseada em ideias e
técnicas atuais. Daí Gustav Mahler considerar a si próprio um
compositor "moderno" e Gustave Flaubert ter
proferido sua famosa frase "É essencial ser absolutamente moderno nos seus
gostos". A aversão à tradição pelos impressionistas faz
destes um dos primeiros movimentos artísticos a serem vistos, em retrospectiva,
como "moderno". Na literatura, o movimento simbolista teria
uma grande influência no desenvolvimento do modernismo, devido ao seu foco na
sensação. Filosoficamente, a quebra com a tradição por Nietzsche e Freud provê
um embasamento chave do movimento que estaria por vir: começar de novo
princípios primários, abandonando as definições e sistemas prévios. Esta
tendência do movimento em geral conviveu com as normas de representação do fim
do século XIX; frequentemente seus praticantes consideravam-se mais
reformadores do que revolucionários.
Começando na década de 1890 e com força
bastante grande daí em diante, uma linha de pensamento passou a defender que
era necessário deixar completamente de lado as normas prévias, e ao invés de
meramente revisitar o conhecimento passado à luz das técnicas atuais, seria
preciso implantar mudanças mais drásticas. Cada vez mais presente integração
entre a combustão interna e a industrialização; e o advento das ciências sociais na política pública. Nos
primeiros quinze anos do século XX, uma série de escritores, pensadores e
artistas fizeram a ruptura com os meios tradicionais de se organizar a
literatura, a pintura, a música - novamente, em paralelo às mudanças nos
métodos organizacionais de outros campos. O argumento era o de que se a
natureza da realidade mesma estava em questão, e as suas restrições,
as atividades humanas até então comuns estavam mudando, então a arte também
deveria mudar.
Alguns marcos são as músicas de Arnold
Schoenberg, as experiências pictóricas de Kandinsky que
culminariam na fundação do grupo Der blaue Reiter em Munique e
o advento do cubismo através do trabalho de Picasso e Georges Braque em
1908 e dos manifestos de Guillaume Apollinaire, além, é claro, do expressionismo inspirado
em Van Gogh e
do futurismo.
Bastante influentes nesta onda de
modernidade estavam as teorias de Freud, o qual argumentava que a mente tinha
uma estrutura básica e fundamental, e que a experiência subjetiva era baseada
na relação entre as partes da mente. Toda a realidade subjetiva era baseada, de
acordo com as ideias freudianas, na representação de instintos e reações
básicas, através dos quais o mundo exterior era percebido. Isto representou uma
ruptura com o passado, quando se acreditava que a realidade externa e absoluta
poderia impressionar ela própria o indivíduo, como dizia por exemplo, a
doutrina da tabula rasa de John Locke.
Entretanto, o movimento moderno não era
meramente definido pela sua vanguarda mas
também pela linha reformista aplicada às normas artísticas prévias. Esta
procura pela simplificação do discurso é encontrada no trabalho de Joseph Conrad.
Nota-se em Mário de Andrade, com suas restrições à Poesia Pau-Brasil que não o tornam
absolutamente um vanguardista. As consequências das comunicações modernas, dos
novos meios de transporte e do desenvolvimento científico mais rápido começaram
a se mostrar na arquitetura mais barata de se construir e menos ornamentada, e
na redação literária, mais curta, clara e fácil de ler. O advento do cinema e
das "figuras em movimento" na primeira década do século XX
possibilitaram ao movimento moderno uma estética que
era única, e novamente, criaram uma conexão direta com a necessidade percebida
de se estender à tradição
"progressiva" do fim do século XX, mesmo que isto entrasse em
conflito com as normas estabelecidas.
A tentativa de reproduzir o movimento
das imagens com palavras surgiu primeiramente com o futurismo de Marinetti,
na Itália,
que publicou o primeiro manifesto no ano de 1909. Baseados nas experiências de Sergei Eisenstein no
cinema, os cubo-futuristas russos, como Vladimir Maiakovski conseguiram subsequentemente
concretizar esta intenção dos primeiros futuristas.
Após o futurismo, surgem várias
vanguardas na literatura e na poesia, como o expressionismo e
o cubismo,
importados das artes plásticas, o dadaísmo e
o surrealismo,
a partir da relação com a estética de escritores e poetas da segunda metade do
século XIX, com suas novas formas de explorar a psique humana e
com a linguagem verbal.
No entanto, muito influenciada pelas
ideias do futurismo, surge também uma linha do movimento moderno que rompeu com
o passado ainda a partir da primeira década do século XX de forma mais branda
que as vanguardas,
e tentou redefinir as várias formas de arte de uma maneira menos radical.
Seguindo esta linha mais branda vieram escritores de língua inglesa como Virginia Woolf, James Joyce (que
depois tornou-se mais radical e mais próximo das vanguardas), T.S. Eliot, Ezra Pound (com
ideias claramente próximas ao futurismo), Wallace Stevens, Joseph Conrad, Marcel Proust, Gertrude Stein, Wyndham Lewis, Hilda Doolittle, Marianne Moore, Franz Kafka e William Faulkner.
Compositores como Arnold Schönberg e Igor Stravinsky representaram
o moderno na música. Artistas como Picasso, Matisse, Mondrian,
os surrealistas,
entre outros, o representaram nas artes plásticas, enquanto arquitetos como Le Corbusier, Mies van der
Rohe, Walter Gropius e Frank Lloyd Wright trouxeram as ideias
modernas para a vida urbana cotidiana. Muitas figuras fora do modernismo nas
artes foram influenciadas pelas ideias artísticas, por exemplo John Maynard Keynes era amigo de Virginia Woolf e
outros escritores do grupo de Bloomsbury.
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